Nunca vi o meu pai beber muito,
mas houve uma noite que ele bebeu alguns copos de uísque. Nós falamos muito
dessa vez. Na verdade, foi mais um monólogo. O meu pai contou-me muitas coisas,
acho que ele já não se lembra que me contou tudo aquilo. Mas contou, e eu
lembro-me de todas as palavras, uma por uma. Estávamos sentados a uma mesa, eu
e o meu pai. Os olhos dele estavam muito brilhantes, divagava sobre a vida e
sobre o universo que nos sustinha. Até que ele mergulhou não sei se no uísque
se nas memórias mais profundas e me falou daquele dia, que ninguém quer lembrar,
que todos teimam em esquecer. Contou-me como forrou o caixão de papel colorido,
aquele papel que serve para embrulhar presentes. Os olhos brilhavam cada vez
mais e eu estava incrédula. Falava muito calmo e com palavras simples. – Forrei
o caixão assim, para ser mais bonito, percebes? Nenhuma das suas perguntas
queria uma resposta. O meu pai só queria falar. Disse-me com as palavras mais
bonitas que alguma vez tivera ouvido que amava uma mulher linda, a mulher mais
incrível do mundo. – Eu adoro a tua mãe, ela é o meu grande amor… Eu não queria
ouvir mais nada, só queria que o silêncio invadisse aquele momento e que
ficássemos assim – calados. Foi sempre assim, eu e o meu pai nunca falámos
muito, nunca falámos nada, mas gostamos tanto um do outro que não dá para
explicar. A conversa andava às voltas, talvez por causa do álcool que já se
manifestava. – Ela era morena, muito pequenina, uma princesa. Doía ouvir
aquilo, doía ouvir o meu pai chamar princesa a outra pessoa que não eu. E agora
dói escrever isto, magoa lembrar este dia e tudo isto que aqui está. É por isto
que acho que não devo escrever. Sei que algumas pessoas choram quando me leem.
Fico contente com isso, pois estão a sentir tal como eu. Mas é francamente
deplorável espelhar nos outros esta dor que carrego no peito. Por isso, eu
escrevo às vezes e quase nunca mostro estas vãs recordações. Eu estava ali a
ouvir o meu pai e só queria que ele se calasse de vez. Queria abraça-lo e
chorar… mas eu e o meu pai não nos abraçamos nunca, pelo menos não me lembro
que o tenhamos feito.
Íris Tomazini